Porto Belo, inverno de 2003. Até alguns meses atrás, ninguém notava o sujeito magro e de cabelos cacheados compridos que passava regularmente em frente ao portão de entrada da Escola de Ensino Básico Tiradentes carregando uma comprida caixa de papelão debaixo do braço.

Mas esses são tempos de celebridade. Por isso, Cezinha resolveu mudar o trajeto habitual até o local dos ensaios; do contrário, será acossado por hordas de crianças com cadernos na mão, ávidas por um autógrafo.

Aos 23 anos de idade, Ângelo Cesar da Silva conquistou aquilo que sonhava desde quando, pela primeira vez, pegou num violão. Ainda não é o músico talentoso que virá a ser, mas já é uma estrela em seu universo particular. O disco de estreia da Uniclãs, Viagens no Exílio, acabou de sair após um périplo pelo estúdio de Luiz Schiavon em São Paulo e os shows estão concorridos.

Tudo está perfeito. Mas tem prazo para acabar.

Corta para 2018.

A tarde de sexta-feira está envolta num mormaço quente que parece pesar sobre a cidade. Como é normal nesta época, a avenida Governador Celso Ramos desaparece sob os pneus dos carros, que congestionam os dois sentidos da via. De um lado, gente que sai das praias de Bombinhas; do outro, uma multidão que se encaminha ao município vizinho para aproveitar o final de semana — o feriadão, na verdade, já que esta não é uma sexta qualquer: estamos no primeiro dia do Carnaval.

Ao entardecer, o calor precipita uma chuva que não é suficiente para deixar a temperatura mais amena. Neste momento, os integrantes da escola de samba Unidos de Porto Belo — liderada pelo percussionista Carlinhos Ribeiro, parceiro de longa data de nosso entrevistado —, devem estar receosos de que a garoa atrapalhe o desfile de hoje à noite.

Estamos a menos de cem metros do burburinho da Governador Celso Ramos, mas na casa de Cezinha o ambiente é tranquilo. Ela fica nos fundos de uma empresa de despacho marítimo. Atrás dela, principia o morro que divide Porto Belo e Bombinhas. Ali, o terreno íngreme está repleto de frutos de araçá, pontilhando o gramado com tons de amarelo.

Sobre a mesa da cozinha, café fresco e uma cuca de banana ainda quente, que Adriana Benvenuti acabou de tirar do forno. Após a refeição, Isadora posiciona a câmera no tripé e nos preparamos para começar. É a segunda vez que gravamos imagens nesta sala. Em 2015, estivemos aqui para realizar um piloto do que seria o projeto Retratos de Porto Belo. A entrevista, porém, não foi ao ar — apenas o texto foi publicado em um blogue.

Para esta nova tentativa, pedimos que Cezinha pegue seu instrumento, um contrabaixo Fender American Traditional de quatro cordas, cor creme e com marcas de uso nas bordas. É uma forma de obtermos boas imagens para a abertura do vídeo e também de deixar o entrevistado mais à vontade. Embora acostumado a gravar transmissões ao vivo pela web para seu atual projeto, o Música Orgânica, Cezinha não tem boa relação com as câmeras, em razão da assumida timidez. É apenas tocando que ele se solta: “Nunca tive medo do palco”, garante.

Após dedilhar na segunda oitava do braço um tema que compôs faz quinze anos e cujo nome não lembra (ou jamais teve), Cezinha está pronto para falar.

Início dos anos 80

Em algum lugar da Enseada Encantada, Cesar Ângelo da Silva e seu acordeão estão prontos para mais uma noite de Reis. Muito criança ainda para ter uma lembrança precisa do momento, Cezinha retém apenas uma vaga impressão do que acontece a sua volta. É provável até que a tenha esquecido no decorrer das décadas seguintes. Só no presente é que a recordação voltará e fará pleno sentido.

— Meu pai, apesar de não ser músico, talvez seja o cara que mais me influenciou — pondera Cezinha, ao ligar os pontos de seu passado.

Pescador e nativo de Porto Belo, Cesar se casou com Cecília Vargas, natural de Brusque, e juntos viveram na Enseada. Ângelo Cesar, primeiro filho do casal, nasceu em abril de 1979 e cresceu observando com curiosidade o pai, nos poucos momentos de folga após as pescarias, se acomodar num canto, escolher um instrumento e encher o lar de canções.

— Ele gostava de música pra caramba; tinha acordeão em casa, tinha teclado, tinha violão…

Quando Cezinha completou seis anos de idade, a família se mudou para Itajaí. No bairro Fazenda, ele e os irmãos Roberta e Robson cresceram. Nos finais de semana, entretanto, era comum que voltassem a Porto Belo, onde o primogênito se reunia com primos e amigos.

A despeito dessas amizades, o filho mais velho de Cesar não demonstrava muita sociabilidade. “Fechado” era como se sentia, especialmente no início da adolescência. Não foi difícil, portanto, encontrar companhia no velho violão do pai. Sozinho, passava suas horas de introspecção treinando acordes.

Guns e a MTV

Um dos precursores dos megashows em estádios ao redor do mundo, o Guns N’Roses estava no auge. Seu álbum de estreia, Appetite for Destruction, vendeu mais de 30 milhões de cópias. Os cinco garotos norte-americanos, fazendo música com rebeldia e fúria, ditavam o ritmo da época, influenciando moleques em todo lugar enquanto colecionavam sucessos e polêmicas. O vocalista Axl Rose e o guitarrista Slash foram alçados ao panteão do rock.

No Brasil, Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, Titãs e Paralamas do Sucesso lançaram discos que fizeram a cabeça da moçada na segunda metade dos anos 1980 e início dos 90. O “BRock” estava em alta, mostrando força após a primeira edição do Rock in Rio, em 1985. Tornar-se um rockstar, nessa época, parecia um sonho ao alcance de qualquer garoto, mesmo que ele não soubesse ao certo o que isso significava.

A chegada da MTV ao Brasil e o seu auge na década de 1990 contribuiu para reforçar esse devaneio juvenil. Como muitos adolescentes país afora, Cezinha e o primo Jeferson Otto — que dava-lhe guarida toda vez que ia a Porto Belo nos finais de semana e estava igualmente empenhado em aprender música — varavam madrugadas com os olhos pregados na tevê, assistindo a clipes e conversando sobre bandas.

Então, ecoando uma ideia que latejava em muitas cabeças, decidiram: “Vamos criar um grupo!”

Havia mais um cúmplice nessa história: Anderson Vargas Peirão, outro primo de Cezinha, que vivia em Itajaí e foi seu primeiro parceiro de revistinhas de cifras e cordas de aço, era o terceiro mosqueteiro nessa aventura. Assim, tínhamos Cezinha no violão (posteriormente guitarra), Anderson no baixo e Jefinho na bateria. Ainda faltava D’Artagnan.

A solução se encaminhou quando o pessoal ouviu sobre um sujeito que tirava um som na Praça da Bandeira e parecia se encaixar no perfil desejado. Para conhecê-lo, marcaram um encontro no local.

“Todo momento que a gente estava em Porto Belo, a gente tava tocando”

André Gomes de Miranda, um moleque grande para os seus quatorze anos, apelidado de “Coveiro” pelo mau desempenho nos campos de futebol da cidade, apareceu e logo conquistou a turma, a despeito da desconfiança que seu apelido suscitara. Além da personalidade extrovertida e cativante, o guri era bom mesmo: “No primeiro dia já saímos tocando, já rolou uma química”.

O quarteto estabeleceu garagem na casa de Jefinho e, sempre que dava, se reunia para ensaiar.

— Todo momento que a gente estava em Porto Belo, a gente tava tocando. E foi bem nessa época que eu vim morar em Porto Belo.

Nos Classificados, a mudança

Certo dia, em meados de 1996, Cezinha abriu o jornal e deu de cara com um anúncio: Permuta-se casa em Perequê, próxima ao Hotel Blumenauense, por outra em Itajaí. Era a oportunidade perfeita. Aos dezessete anos, estava doido para voltar a morar em Porto Belo, por isso gastou seu latim com os pais, apelando ao argumento de que seria ótimo viverem próximos ao mar. “Enchi o saco deles”, confessa, sem saber ao certo se foi sua insistência ou um desejo secreto de Cesar e Cecília o que pesou na decisão. O fato é que o negócio foi fechado e, sem aviso prévio aos outros parentes, Porto Belo se tornou de novo o lar da família Silva.

Mas esse também foi um período difícil, em razão da doença do pai. Algum tempo atrás, Cesar sofreu um acidente de trabalho banal: cortou a perna em um pedaço de telha de amianto. Partículas do material entraram em sua corrente sanguínea e causaram um abscesso na área de contato. Cesar foi ao médico, que limpou a ferida e pensou ter resolvido o problema. Só que ele já havia sido contaminado pelo amianto, um produto extremamente tóxico.

Uma vez diagnosticado o câncer, Cesar passou por cirurgias e longos períodos de recuperação. Quando trouxe a família de volta a Porto Belo, estava bastante debilitado. Em 2002, ele assava um peixe quando desmaiou e não mais acordou. Cesar tinha 47 anos de idade.

— Pô, olha só o que é isso!

Próximo ao pé de Cezinha, uma estranha lagartixa se contorce. Ela é preta, tem o rabo desproporcionalmente comprido e se movimenta como uma cobra. Isadora não gosta da visitante e declara: ou jogam-na para a rua ou nada de ela ficar atrás da câmera. Com um chinelo e alguma dificuldade, Thiago consegue se livrar do espantoso animal.

Segue a entrevista.

A vinda de Cezinha deu ao grupo a possibilidade de ensaiar com maior frequência. O empenho, inclusive, o afastou de qualquer tentativa de conseguir uma ocupação formal (quando muito, ele fazia uns bicos na família). Acreditava estar vivendo seu momento decisivo e apostou nisso — uma vez que, agora, podia dizer que realmente tinham uma banda.

O nome escolhido para ela foi Cordas de Varal — uma piada com André, que não demonstrava muita delicadeza ao dedilhar seu violão: do jeito que tocava, ironizaram os parceiros, só cordas de varal para aguentar.

Mal o grupo foi batizado apareceu um compromisso importante: o Cordas recebeu o convite para tocar durante o 4° Palco das Artes, evento da municipalidade que trazia ao bairro Vila Nova atrações musicais de renome nacional. Era uma chance e tanto, então todos ficaram nervosos (Cezinha não foi exceção) e executaram um set bastante problemático. Mas foi glorioso.

— Ali a gente resolveu que queria viver de música e investir nisso.

A Escola Tiradentes, onde todos estudavam, se tornou um palco frequente. Mas a formação ainda era instável: gente entrava, saía e voltava a todo momento. Anderson, inclusive, ficou pelo caminho. Foi a deixa para Cezinha realizar uma mudança fundamental: da guitarra ele passou ao contrabaixo.

No princípio, o aspirante a músico ficou meio aborrecido, já que o sonho era ser guitarrista, função bem mais glamourosa ao seu juízo. Para convencê-lo, os amigos argumentaram que era simples: para tocar baixo, bastava dedilhar as cordas. Cezinha cedeu e hoje afirma com veemência: “Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida na música”.

A estrutura da banda era precária. Para o show no Palco das Artes, precisaram alugar uma guitarra. A bateria era sempre emprestada de alguém, assim como a aparelhagem de som para os ensaios. O primeiro contrabaixo, um Aria Pro II, foi comprado com o dinheiro de uma vaquinha (“financiamos em várias vezes”). Foi esse instrumento que Cezinha herdou ao assumir a função.

Com Cezinha no baixo, o posto de guitarrista ficou vago. Nesse período, a banda local de heavy metal Nosferatu estava se desfazendo. Nela tocou um guitarrista canhoto de reconhecida habilidade — Alex Sancho. Mais experiente e conhecedor profundo de música instrumental e jazz, Alex aceitou o convite para integrar a banda dos novatos.

Sentindo a necessidade de promover uma mudança completa, os rapazes decidiram assumir o nome Tormenta, numa alusão à banda Tempestade, de Brusque, que admiravam. Resolveram também levar as coisas mais a sério — até ali, ter um grupo parecia mais brincadeira do que trabalho. Com um repertório melhor ensaiado, passaram a se apresentar no circuito de botecos da cidade. Nessa época, Porto Belo era o que se chamava de point da juventude. Havia muitos bares e todos lotavam com gente de toda a região e até de Curitiba (PR). Cezinha e os companheiros se apresentavam na boate do hotel Morro do Sol, no clássico Canoa Quebrada e no Aziê Brasil, em Perequê (futuro Café Pinhão).

Experiência relativamente duradoura, a Tormenta seguiu por aproximadamente quatro anos. Depois disso, André despediu-se do grupo e o restante buscou novas oportunidades.

Gato Preto nem sempre significa azar

Cezinha, Alex e Jefinho encontraram a primeira delas na ilha João da Cunha, onde foram contratados para acompanhar o músico Alexandre de Mello Nery em apresentações na praia insular durante a temporada de verão de 2000. Maestro da banda marcial do município, Alexandre trazia um repertório recheado de MPB, uma novidade para sua banda de apoio, que mesmo assim animou as tardes de sol na ilha durante 70 dias consecutivos e renovou o contrato para a temporada seguinte.

Além do aprendizado, a maratona rendeu um convite para Cezinha e Alex integrarem a banda Gato Preto, de Tijucas, que circulava por palcos de Balneário Camboriú e Brusque e acenava com a promessa de cachês melhores. A ideia de viver de música começava a se consolidar.

Porto Belo, 2001.

Cercado de expectativa, o ano 2000 não cumpriu nenhuma profecia apocalíptica nem trouxe significativa mudança cósmica ou espiritual. Ainda que o filme Matrix, lançado em maio do ano anterior, tivesse mexido com as mentes mais suscetíveis, tudo continuava como sempre fora. Na praia do Baixio, a única novidade era o bar Tribo da Lua, onde uma nova geração de músicos locais despontava: Estevão Guerreiro, Carlinhos Ribeiro e Fernando Kruscinscki formavam, junto com o “veterano” André Miranda, o projeto Al-Jihad, que tocava ali e em bares de Bombinhas.

Nando Kruscinscki e Cezinha eram primos. Quando garotos, antes que o segundo se mudasse para Itajaí, moraram perto um do outro na Enseada Encantada. Passado tanto tempo, voltavam a ter contato mais próximo, com Nando visitando-o regularmente para gravarem em fitas K-7 as músicas que ele compunha. “Na época, ninguém botava muita fé”, reconhece Cezinha, mas a qualidade das letras, somada à boa performance de Nando nos vocais, sugeria uma nova perspectiva: a de fazer música própria.

Cezinha estava há mais de um ano na Gato Preto, mas mantinha contato intenso com o pessoal da Al-Jihad, visto que o baixista era um dos sócios do Tribo da Lua. Além disso, havia tocado com eles no Submarino Amarelo, em Bombinhas, durante o Carnaval. Dispostos a embarcar numa nova empreitada junto de velhos amigos, Alex e Cezinha deixaram a banda tijuquense e aderiram ao grupo local. Jefinho também reapareceu, mas não esquentou lugar: quem assumiu a bateria foi Luis Augusto Ebert, na época morando em Itapema. Estevão também desembarcou logo no início. A Uniclãs, então, ficou sendo André, Nando, Carlinhos, Guto, Alex e Cezinha.

Contando com a complacência de Lidio Kruscinscki, pai de Nando, o sexteto começou a ensaiar febrilmente no quartinho nos fundos da casa do vocalista. Todo o esforço, porém, seria em vão se eles não encontrassem onde apresentar suas músicas. Por sorte, havia o Luau do Guga.

“Não tinha muita regra, era bem roots o negócio”, conta Cezinha. Localizado na praia da Lagoinha, no centro de Bombinhas, o Luau do Guga era o bar da moda. Ali, entre canções de Alceu Valença e Zé Ramalho, a Uniclãs começou timidamente a lançar suas composições. O resultado? “A galera começou a curtir pra caramba!”

Já na segunda temporada tocando no Luau, o repertório se tornou quase 100% autoral. Daí para a frente, as coisas começaram a acontecer de forma muito rápida: a gravação de um CD demo com sete músicas (“a gente gravou em casa mesmo”), o lançamento desse material nas dependências do complexo comercial Porto das Águas (“vendemos todos os ingressos”), os shows no Café Pinhão (“era um lugar que tinha uma baita estrutura”) e o aparecimento do produtor Juracy de Almeida, que convencido pelo empresário local Romilton Rocha, entusiasta da banda, bancou a ida do grupo a São Paulo, para gravar, em 2003, Viagens no Exílio.

— Foi um baque, sair daqui de Porto Belo e chegar lá em São Paulo sem conhecer nada. Mas foi importante pra caramba gravar esse disco.

Após Viagens, a Uniclãs virou um fenômeno regional. Os shows lotavam e as pessoas demonstravam o seu orgulho pela conquista dos filhos da cidade. “Tinha uma senhora, dona Odete, que fazia faixas da Uniclãs [para amarrar] na cabeça e distribuía para a galera. Era coisa de fã mesmo”. Mas a ascensão meteórica trouxe problemas para um grupo que, embora profundamente irmanado, tinha lá suas suscetibilidades: “Era uma brigaçada”, reconhece Cezinha, que não atribui as dificuldades a questões de ego, e sim ao amadorismo do grupo. Mesmo assim, a inevitável separação ocorreu de forma traumática, num clima de desconfiança que levou os até então inseparáveis amigos a ficarem quase dois anos sem se falar.

— Na época, eu fiquei muito magoado — admite.

De volta a 2018.

Faz quinze anos que Viagens no Exílio foi lançado. A pretexto de celebrar a data, a Uniclãs voltou a se reunir. Não é a primeira vez que isso ocorre (tentaram anteriormente em 2009 e 2013) e ninguém garante que desta vez dará certo. Mas Cezinha não está preocupado. Quer apenas curtir o momento — afinal, há muito mais coisas povoando sua cabeça de músico profissional.

Desde a separação, muita água rolou debaixo da ponte. Cezinha seguiu tocando e aprendendo. Passou por bandas de baile, ampliou seu leque de parcerias musicais, gravou trabalhos de terceiros, desiludiu-se, encampou novos projetos, seguiu em frente. Mais importante, conheceu Adri.

Em 2012, ele ingressou no Conservatório de Música Popular de Itajaí, escola pública que dá formação profissional a músicos. André, que voltou a ser um parceiro de todas as horas, estava junto. Em uma das disciplinas, juntava-se a eles uma jovem natural da cidade. Farmacêutica de formação, Adriana Benvenuti tinha 26 anos na época e cantava desde os doze. No começo, eles não se falavam muito, mas o interesse comum os aproximou e ensejou um namoro que durou um ano e meio. Em 2013, os dois se casaram e vieram morar em Porto Belo, vivendo desde então as alegrias e os perrengues de um relacionamento nascido da música e alimentado por ela.

Nesse mesmo período, Cezinha juntou-se novamente a André e Carlinhos e voltou a tocar nas noites da cidade. De cara, o trio experimentou uma sintonia que remetia aos primeiros anos da Uniclãs, o que não demorou a reacender o desejo de fazer música autoral, aproveitando o amadurecimento artístico do trio e as letras que André compunha. Nascia, em 2014, o projeto de MPB Música Orgânica, que lançou o primeiro álbum em agosto de 2016 (O Dia do Despertar).

— Foi muito massa a experiência porque a gente fez coisas que queria ter feito com outros grupos e não conseguiu, que era viajar, produzir, convidar gente para participar. O projeto do Música Orgânica é bem amplo, estamos sempre trazendo alguém pra participar de shows e a gente já teve a oportunidade de viajar. Logo depois de gravar o disco nós fomos para a Argentina tocar. Ficamos 20 dias lá e fizemos oito shows maravilhosos. A gente já foi para Brasília, foi para São Paulo várias vezes. Concorremos ao prêmio Profissionais da Música em Brasília no ano passado e este ano temos shows no Rio de Janeiro e estamos produzindo o próximo disco.

Em paralelo, os três amigos chamaram o casal de músicos Eri Cavalcante e Cilene Borba, de Bombinhas, aproveitaram o talento de Adri e criaram o Sarau Afro-açoriano, baseado nas experimentações que André fazia com a música popular e a tradição do boi de mamão. Esse trabalho também rendeu um disco, produzido em 2016 e lançado em 2017 com recursos da Lei de Incentivo à Cultura do município de Itajaí.

— O Sarau é um trampo totalmente leve. A gente nunca teve grandes objetivos, mas o negócio veio encorpando. O disco já ganhou prêmio e tem aberto várias portas pra gente — destaca Cezinha, referindo-se ao título de Melhor Disco no Prêmio da Música Catarinense 2017, com o álbum Fui tarrafear.

Em meio a tanta coisa (além das apresentações com esses grupos, ele seguiu acompanhando outros músicos, dando aulas particulares e para alunos da Rede Municipal de Ensino e concluiu uma licenciatura em Música), Cezinha percebeu que a sobrevivência na música impunha aprender a lidar com outros aspectos da carreira. Sua principal preocupação era com a sazonalidade: durante o verão, há muitos palcos para tocar; no inverno, quase nada acontece.

No final de 2015 ele investiu os últimos tostões num curso de produção musical e começou a entender um pouco mais de assuntos como divulgação e promoção de shows. “Foi mais um ponto que mudou a minha vida”, diz. Além de participar de feiras do segmento e reforçar o networking, o baixista começou a produzir trabalhos de outros músicos, o que lhe abriu novos horizontes.

Viver de música, porém, continua sendo um grande desafio. Não poucas vezes, Cezinha se pega pensando no amanhã. O fim da Uniclãs em 2005 foi claramente um ponto de inflexão, mas as incertezas derivadas de períodos de vacas magras sempre acenam com uma dúvida difícil de contornar. Mais maduro, porém, o músico aceita o questionamento como parte do jogo: “É uma forma de buscar uma força pra se motivar novamente e dar um impulso maior ainda”, acredita. Assim, Cezinha se ocupa de planos, abraça o mundo. Sabe que não pode ficar parado. Como um garoto enfurnado num quarto distante treinando acordes, Cezinha está decidido a ir em frente. Portanto, espere ouvir muita coisa desse sujeito ainda.

Entrevista realizada em 09 de fevereiro de 2018.

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