Em 1991, o Colégio Estadual Tiradentes (atual Escola de Ensino Básico Tiradentes) promoveu uma primeira (e possivelmente única) experiência de sucessão democrática de sua direção. Naquele ano, pais, alunos e professores foram conclamados a escolher, no voto, o novo diretor da instituição. Dos três nomes no páreo, o de um professor bigodudo de educação física – uma versão paulistana do ator Tom Selleck – foi assinalado em mais de 80% das cédulas. Uma lavada. Apesar do apoio, o mandato foi precocemente abreviado: intrigas e cochichos de desagrado às ações do novo diretor levaram-no a renunciar apenas cinco meses depois de empossado. “Não pensei que uma eleição para diretor fosse ter o lado político”, justifica o ex-professor que, anos mais tarde, de fato entraria – ainda que a contragosto – para a política: exerceu um mandato de vereador e recentemente deixou, pela terceira vez, o cargo de presidente da Fundação de Esportes de Porto Belo.

Assim como uma penca de parentes, Osvaldo Di Pietro, 60 anos redondos, tem o “Eduardo” como segundo nome. Seu avô paterno, um italiano que chegou em São Paulo vindo da Calábria no início do século passado, foi um entusiasta dessa tradição (que o neto atribui a “algum maluco lá da família”). Para ele, o melhor mesmo é que lhe chamem simplesmente Vado, Vadão ou “Sovado” (que é como seus alunos pronunciavam o protocolar “seu Osvaldo” dos tempos de escola).

De qualquer modo, Eduardo, o avô, como um Buendía de “Cem Anos de Solidão”, transmitiu o nome para sua descendência: o pai de Vadão (que todos chamavam seu Dudu), ele próprio e também o irmão, Eduardo João. Legou ainda um próspero negócio no ramo de venda de calçados, que Eduardo começou assim que chegou ao País, numa garagem da Rua Augusta, e que depois se tornou uma rede de 37 lojas, com filiais espalhadas em São Paulo, Bahia e no Rio de Janeiro. Estudante de medicina, Eduardo, o pai, largou os estudos para assumir a empresa. Vadão seria o próximo e uma faculdade de administração estava nos planos da família. Porém, quando o momento chegou, ele confidenciou ao pai que queria estudar jornalismo. Seu Dudu, que havia largado a Mackenzie para “ir trabalhar como sapateiro”, como costumava brincar, naturalmente compreendeu.

No início da década de 1960, São Paulo já era considerada a maior cidade da América do Sul, uma metrópole onde viviam 4 milhões de habitantes. Para um garoto, no entanto, não era muito diferente de crescer numa cidadezinha de interior. Vadão e os amigos (entre os mais chegados estava o italiano Francesco Rapasarti, o “Chico”) viviam na rua jogando bola e taco, descendo ladeiras com carrinhos de rolimã, soltando pipas e pregando peças nos vizinhos. Afora as travessuras, ele era muito dado aos esportes e à leitura, ambos por influência do pai. Homem de boa oratória (“daria um excelente advogado”), Eduardo era um leitor contumaz de jornais como a Folha de S. Paulo e o Estadão, aos quais o filho lia de embalo. Quando jovem, havia sido um exímio atleta: foi campeão sul-americano no revezamento 4×400 em Montevidéu, no Uruguai. Esse feito daria à a equipe brasileira uma vaga para disputar as Olimpíadas de Londres em 1944, que, assim como a edição de 1940 (que seria em Helsinque, na Finlândia), não aconteceu por conta da Segunda Guerra Mundial.

Fã de gibis, de livros de história e de esportes, Osvaldo abarrotava um compartimento do armário do quarto com sua coleção de quadrinhos e edições da Gazeta Esportiva, jornal que lia religiosamente (as HQs depois ele doou, com o coração apertado, para uma instituição qualquer, a pedido do pai). Estudante de um colégio de padres canadenses, recebia uma educação que destinava todo um período para a prática esportiva: jogava basebol, futebol e handebol, que o levou à seleção paulista quando tinha quatorze anos. O futebol, porém, falava um pouco mais alto: as peladas de domingo, jogadas em diversos campos paulistanos, sobressaíram ao esporte jogado com as mãos. Vado assumia como posição a lateral direita, mas foi sendo remanejado ao longo do tempo e se tornou um zagueiro viril.

Como vivia na rua correndo e jogando bola, o menino gastava um tênis atrás do outro. Não havia problema: bastava ir à loja da Rua Augusta e buscar um novo par. Ele, no entanto, ficava um pouco envergonhado ao ser recebido pelo gerente da loja, que informava aos atendentes que “o filho do seu Dudu” estava lá para pegar um pisante novo. Mas as coisas com Eduardo eram mesmo sem-cerimônia. Vado ressalta a personalidade tranquila e a simplicidade do pai, que se relacionava bem com todos e era capaz de distribuir gordas gorjetas a quem julgasse merecedor – para desespero da esposa, dona Julieta, ela também de sangue italiano. Seu Dudu faleceu em 2000, aos 80 anos de idade.

De tanto ler, logo Osvaldo estava criando as próprias histórias: inventava que o inglês Charles Miller, que trouxe a primeira bola de futebol para o Brasil em 1898, morava na casa vizinha, e escrevia crônicas sobre dona América, que morava no outro lado da rua. “Eu gosto é de escrever”, confessou à beira da cama do pai no dia em que comunicou, receoso, sua intenção de estudar jornalismo. E ajuntou um argumento dramático: “Se me colocar na loja, ela vai falir em uma semana”. Assim, quem acabou estudando economia e tomando a frente do negócio foi Eduardo, o irmão mais velho, hoje com 67 anos. Depois de algum tempo, ele foi trabalhar na Bolsa de Valores. Ficou 25 anos, até começar a sentir os efeitos do estresse. Atualmente, presta consultoria a empresas. A irmã, Renata, hoje com 65, formou-se em editoração, mas não chegou a exercer a profissão. Casada, dedica-se ao lar.

Vado e Chico seguiram inseparáveis na adolescência (havia também “Teddy”, parceiro da dupla e exímio goleiro. Daria uma “descambada” para a bebida nos anos seguintes. Morreu faz uma década). Depois, Francesco iria para a Itália, e os amigos ficariam sem se ver durante vinte anos, mas hoje em dia é comum encontrar a dupla nas temporadas de verão em Porto Belo. E ao menos uma vez os dois passaram um sufoco dos diabos.

Foi em 1974, primeiro ano de governo de Ernesto Geisel, que prometia uma distensão “lenta, gradual e segura” do regime militar. Vado, então com 18 anos, e Chico, com 16, foram ao Pacaembu assistir a um clássico entre Palmeiras e Santos, numa noite fria e chuvosa. Chico usava uma capa de chuva do pai e Vado, barbado e cabeludo, um sobretudo do seu Dudu. Para evitar que estragassem, os amigos deixaram as carteiras de identidade em casa.

Depois do jogo, resolveram parar em um fliperama. Desapercebidos do avançado da hora e empolgados com a máquina de pinball, não notaram quando uma veraneio estacionou e dela desembarcaram quatro policiais militares. O superior, um japonês, cismou com a aparência suspeita da dupla e ordenou a revista. Pegos sem os documentos, foram metidos no camburão e levados ao número 921 da Rua Tutoia, na Vila Madalena, sede do temido DOI-Codi de São Paulo.

Um apavorado Vadão e seu amigo foram trancados numa cela de uns 6m². Enquanto Chico passava o tempo fazendo jogo da velha com um bêbado que já estava na carceragem, ele insistia para que deixassem telefonar para casa – que aliás não ficava muito distante dali, cerca de um quilômetro apenas. Ante à indiferença dos militares, Vado começou a temer o pior. Depois do que pareceu uma eternidade, permitiram que a ligação fosse feita. Seu Dudu chegou, enfim, apresentou os documentos dos rapazes e conseguiu que fossem soltos. O episódio rendeu muitas piadas, mas não por muito tempo: um ano depois, o local seria palco da tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura. Um desfecho dramático para os “anos de chumbo” no Brasil.

Também em 1975 Porto Belo entraria nessa história. Valdemar Sommer, cunhado de dona Julieta, tinha um barracão de pesca na cidade, a qual visitava desde 1969. Em outubro daquele ano, trouxe-na e ao marido para uma temporada de pesca no litoral catarinense. Dudu gostou do lugar, tanto que adquiriu uma casa de madeira que havia no terreno onde hoje é a agência do Banco do Brasil, no centro (nos fundos desta é onde atualmente Vadão vive). “Tomei duas caipirinhas e comprei a casa”, foi como ele explicou depois a aquisição – o que dá uma ideia do valor irrisório dos imóveis em Porto Belo naquela época.

De volta a São Paulo, Dudu tratou de convencer os filhos a irem conhecer o lugar. Não foi tarefa fácil: aos vinte anos, Vadão não estava disposto a trocar as férias no litoral paulista por um “fim de mundo” qualquer. Mas o pai era insistente e, em janeiro de 1976, ele, o filho caçula e seu amigo italiano, Chico, embarcaram num ônibus rumo a Porto Belo.

A estada durou uma semana. Nesse meio-tempo, o trio adquiriu caniços para pescar e catou berbigões no Baixio. Numa incursão pela praia até onde hoje tem início uma sucessão de luxuosas casas de veraneio ao pé do morro da Estação, Vado e Chico toparam com um grupo de rapazes jogando bola. Fizeram amizade com a turma, mas já era tempo de voltar para São Paulo, pois Vadão ainda precisava concluir o semestre letivo – estudava na Cásper Líbero.

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Tão logo entrou de férias, ele e o companheiro voltaram a Porto Belo. Desta vez, para mais quinze dias de permanência. Logo depois, Chico seguiria para a Itália e Vadão ficaria cada vez mais enturmado com os portobelenses, aparecendo nos finais de semana sempre que havia torneio de futebol no campo do Vila Nova ou a tal da farra do boi acontecendo – após o que ele tinha que voltar, pois era preciso estar em São Paulo para as aulas da segunda-feira. Enquanto isso, a “casa na praia” aguardava de portas encostadas, pois não havia chaves, nem tranca.

Um pouco depois da formatura, em 1978, Osvaldo, que já andava “mais pra cá do que pra lá”, considerou se mudar em definitivo. Pesou na decisão o silêncio, a tranquilidade do lugar: “Passava um carro, você tinha que esperar umas três horas pra passar outro carro”, lembra. Para um cara despojado como ele, mais à vontade de bermuda e chinelos do que envergando um terno (perspectiva que uma carreira em São Paulo facilmente sugeria), não deve ter sido uma escolha difícil. Além do mais, já tinha feito aqui bons amigos, como Caio (que faleceu prematuramente, aos 24 anos, num acidente de moto que até hoje Vado lamenta), o irmão deste, “Ginho”, e também “Gueri”, Geraldo, “Cabrinha” e “Cueca”, entre outros. Mais importante ainda: havia uma garota.

Vadão conheceu sua futura esposa, Rosangela Simas, durante uma das partidas de vôlei da turma no ponto de encontro habitual, na praia do centro. Filha dos então proprietários do restaurante La Ponte, Zan tinha lá seus quinze anos de idade, mas não tardou para que engatassem um namoro, iniciado em janeiro de 1979.

Para sacramentar a nova vida, só faltava um emprego, que ele encontrou por acaso num anúncio de jornal: o hoje finado diário O Estado, de Florianópolis, precisava de revisor. Vado se dirigiu ao Saco Grande, sede da redação, e conquistou a vaga. Precisou, entretanto, se mudar para a capital. Seu Dudu interveio e conseguiu um alojamento para o filho no Sesc da Prainha. Assim, após passar as madrugadas conferindo laudas antes que ligassem as rotativas, Vadão desabava num beliche embaixo das arquibancadas do ginásio de esportes da associação, onde tinha companhia permanente: “Nunca convivi com tanta pulga e rato”, ri.


“Antigamente, em Porto Belo, passava um carro, você tinha que esperar umas três horas pra passar outro”


Quase dois anos após iniciarem o namoro, Vadão e Zan se casaram, em dezembro de 1980. Foi uma cerimônia simples, comunicada aos parentes do noivo uma semana antes da data marcada. Mal deu tempo de os pais dele comparecerem, surpreendidos pela notícia em meio a uma viagem à Europa. Isaías e Robélia, os pais da noiva, prepararam uma recepção no La Ponte e se esmeraram no bufê: o jantar teve camarões graúdos. O futuro genro, porém, sequer havia providenciado o traje. Acabou dizendo o “sim” vestindo o terno que seu cunhado, Carlos Augusto, usaria no casamento. A gravata foi seu pai quem emprestou. Uma fina gravata italiana, que os convidados depois despedaçaram na tradicional vaquinha aos noivos.

No início de 1981, Vadão ainda estava no Estado. Na ocasião, era um dos únicos jornalistas com diploma da casa e recebeu a oferta de se tornar setorista de esportes, cobrindo os dois times da capital, Avaí e Figueirense. Era uma proposta tentadora, a sua chance de aliar duas grandes paixões. Em compensação, teria que permanecer em Floripa – algo que, decididamente, ele não queria. Optou, então, por largar o emprego.

De volta a Porto Belo em definitivo, alguém sugeriu que se oferecesse para dar aulas de educação física provisoriamente no Tiradentes, cobrindo a licença-maternidade da titular. À falta de professores formados, foi aceito. Lecionou durante oito meses, até setembro de 1981. Em novembro, nasceu Natasha, a primeira filha do casal. A segunda, Tatiana, viria em dezembro de 1983.

Desempregado e com filha para sustentar, Vadão arrendou uma barraca de caldo de cana e milho cozido numa área próxima ao restaurante dos sogros. Naquele verão, ao lado de onde o paulistano moía a cana para servir aos turistas, sua turma continuava com as tardes de vôlei de praia – e ele, saudoso, só podia observar. “Mas eu tinha que ganhar algum dinheiro, entende?”

Antes de começar o próximo ano letivo no Tiradentes, Osvaldo se inscreveu novamente como professor temporário de educação física. “Na época, o professor formado não vinha pra cá, ele queria ficar num centro maior, então sempre sobravam vagas”, explica.

A aposta deu resultado: Vadão não só obteve o emprego como se tornou rapidamente popular na escola – ao menos entre os alunos. Carismático e descontraído, “Sovado” derrubou o formalismo que havia entre estes e o corpo docente. Era brincalhão, pregava peças, inventava apelidos para os garotos e organizava disputadas partidas no recreio que valiam medalhas simplórias ou diplomas com cheiro de álcool do mimeógrafo (podia também relembrar os tempos em que era chamado de “Mônica” pelos ataques de nervos. Virou lenda o episódio em que cobrou silêncio da turma dando um poderoso tapa no quadro negro, que rachou. Ninguém mais abriu o bico naquela aula). O jeito despojado, porém, não era tão apreciado na sala dos professores. Durante um conselho de classe, teve um “debate” com uma colega pelo fato de geralmente ir trabalhar de bermudão.

Apesar dos descompassos, as coisas iam bem. Por isso, Vadão resolveu pôr em prática um antigo plano: cursar educação física. Quando decidira fazer jornalismo, ainda em São Paulo, sua intenção era frequentar os dois cursos ao mesmo tempo. Agora professor em Porto Belo, esse diploma viria a calhar. Assim, ainda em 1982, o filho do seu Dudu prestou vestibular na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), em Florianópolis. Fez-no sem muito empenho, pois tencionava prestar o vestibular da Universidade Federal, cujos cursos são gratuitos, no final do ano. Mas recebeu, quando estava de férias no sítio dos pais em Caucaia do Alto, distrito de Cotia, Região Metropolitana de São Paulo, a notícia de que havia passado.

Para dar conta das aulas no Tiradentes e na faculdade, Vadão desenvolveu uma complicada logística: primeiro, reduziu sua carga horária no colégio para vinte horas, no período da tarde, pois as aulas no campus da Udesc do bairro Coqueiros ocorriam na parte da manhã e à noite. Às 5h15 ele embarcava rumo a Florianópolis, assistia às aulas da manhã, saindo um pouco mais cedo na última para conseguir pegar o ônibus de volta a Porto Belo. Descia na BR-101, na entrada da cidade, e pegava carona até o centro, onde ia direto se apresentar no colégio. Lá, tinha um acordo para começar apenas na segunda aula, e também para sair um pouco antes, pois às 16h15 tinha de estar dentro do ônibus novamente. Era exaustivo: muitas vezes, os cobradores, que já o conheciam bem, tinham que acordá-lo. Esse corre-corre durou até 1985, quando finalmente se formou.

A ideia de se candidatar a diretor do Colégio Estadual Tiradentes foi tomada um pouco de impulso. Passada quase uma década, Sovado ainda não se sentia à vontade na sala dos professores, impregnada pela polarização política da época (entre PDS e PMDB), preferindo permanecer na quadra do colégio durante os intervalos. Mas pôs seu nome na disputa e conquistou uma acachapante vitória. O desfecho, porém, já se sabe: cinco meses depois, ele comunicou ao gabinete regional de educação a sua desistência. A razão disso é que sentiu-se boicotado. Pequenas coisas contribuíam para essa impressão. Por exemplo, cabia ao Estado indicar o diretor-adjunto, decisão que se arrastava, ao passo que ele, sem auxiliares, precisava se desdobrar: “Eu ia de manhã, à tarde e à noite no colégio”. Os demais professores recebiam suas ideias com frieza, suas mudanças com desconfiança, e não pareciam dispostos a colaborar. Apenas os alunos mantiveram-se fiéis, mas demonstravam seu apoio de um modo um tanto ruidoso: explodindo bombas nas lixeiras dos corredores.

De volta à sala de aula, Vadão permaneceu no Tiradentes até 1993. Por essa época, estava também escrevendo artigos sobre esportes para o Maré Mansa, um informativo com feitio de fanzine que o médico gaúcho Sérgio Luiz Biehler começou a fazer circular para dar suporte à sua candidatura a prefeito da cidade. O professor paulistano o conhecia apenas de vista, mas, uma vez eleito, naquele mesmo ano, Sérgio surpreendeu-o com um convite para assumir a Secretaria de Esportes do município.

“Fui no embalo”, conta Vadão, que descreve a experiência como tendo sido “muito legal”. Afinal, embora fosse um cargo político (que ele detestava), tratava-se de esportes (que ele adorava). Tudo somado, o novo secretário arregaçou as mangas: o que hoje é a tradicional Travessia da ilha de Porto Belo, que neste ano completou 24 edições, começou sob a sua gestão. Foi um começo modesto: participaram da primeira prova apenas dezesseis atletas. Entre eles estava Marcelo Amin, hoje presidente da Federação Aquática de Santa Catarina (Fasc) e que ajudou a consolidar a prova. A quarta edição, em 1996, já contava com perto de 100 inscritos. Hoje, são milhares. Atualmente, realiza-se também uma volta à ilha, que já soma nove edições.

Ao fim do seu mandato, Sérgio Biehler cogitou lançar Vadão candidato a vereador pelo seu partido, o PMDB, nas eleições municipais de 1996. Nas reuniões do secretariado, Vado se esquivava, mas o agora amigo sabia ser persuasivo. Ao final, ele aceitou, concorreu e foi eleito.

Os quatro anos no Legislativo passaram sem deixar saudade. “Eu digo que não lembro dessa época”, desconversa Vadão, que se sentia impossibilitado de realizar qualquer coisa na função. E tinha um agravante: seu partido agora era oposição, mas ele tinha bom relacionamento com o novo prefeito, Mauro João Jacques (PTB). Seus colegas cobravam dele uma postura de confronto. Vadão preferia discutir futebol com o adversário (Marinho havia sido presidente do Vila Nova, time pelo qual Osvaldo jogou). “Enfim, não foi a minha praia”.

Em 2001, Sérgio Biehler reassumiu a Prefeitura de Porto Belo. Por extensão, Vado voltou a ser o secretário de Esportes. A segunda gestão do peemedebista, porém, não foi tão eficiente quanto a primeira, segundo ele, que após mais quatro anos de serviço público pediu exoneração de seu cargo de professor do Estado (durante o tempo em que serviu à Prefeitura, ele manteve-se licenciado) e resolveu mudar de ramo. Abriu um café, que tocou durante duas temporadas, mas a experiência não foi positiva. Na sequência, foi chamado para dar aulas nas escolinhas de futebol da Fundação de Esportes de Bombinhas. Cotado para a assumir a pasta durante a gestão de Manoel Marcílio dos Santos (PP), em 2009, foi contratado como diretor de Esportes. Ficou apenas seis meses, pois não se entendeu muito bem com o presidente da fundação.

Nesse mesmo ano, sua família viveu um drama. Zan sofreu um sério acidente de carro em junho, próximo a Palhoça, na Grande Florianópolis. Sua mãe, dona Robélia, estava com ela e morreu. A fatalidade deixou marcas profundas (Zan esteve em coma e havia o temor de que não viesse a se recuperar) e, durante dois anos aproximadamente, Vado vigiou e cuidou. Chegou um momento, porém, em que precisava fazer algo para arejar as ideias. Novamente, num folheto de mercado, encontrou a solução: um curso de corretor de imóveis.

Assim, com fios grisalhos no bigode, Vadão voltou a um banco de escola. Teve até formatura, e ele foi o orador da turma. Redigiu um discurso pomposo para agradar ao coordenador do curso, mas marotamente reservou uma segunda versão, mais irreverente, para ler na ocasião. Dispensou o papel, falou de improviso, contou “causos” e divertiu a plateia.

Em sua nova rotina, esperando clientes atrás de uma escrivaninha de imobiliária, Vadão retomou o hábito de escrever. À moda antiga, com papel e caneta, voltou a compor crônicas e a registrar memórias de sua trajetória no esporte, que depois ele começou a publicar em um blogue (Histórias e Estórias do Vado). O tempo de corretagem, todavia, foi abreviado quando, em 2012, Evaldo Guerreiro (PT) assumiu a prefeitura e convidou-o para novamente assumir a agora Fundação Municipal de Esportes (FME).

Sua terceira passagem pelo cargo durou dois anos. Embora continuasse voluntarioso – instituiu uma competição de windsurf, um circuito de vela, uma competição de stand up paddle e torneios de futebol de areia na praia do Caixa D’Aço – continuava “arisco” em relação aos trâmites da gestão pública e da política. Alguns colegas pediam que “maneirasse” nas reuniões de secretariado, embora o prefeito não se opusesse ao seu modo de pensar. Mesmo assim, sentiu que, se não o fizesse primeiro, talvez fosse convidado a sair. Mas não saiu de todo: permaneceu na Fundação, ligado apenas ao trabalho com as escolinhas esportivas.

Olhando em retrospecto, Vadão sabe que se tivesse permanecido em São Paulo e seguido o objetivo traçado para ele, possivelmente teria um êxito econômico muito maior. Seria, dentro dessa perspectiva, “bem-sucedido na vida”. Mas esse ponto de vista não lhe interessa. Em troca disso, construiu uma notoriedade num nível mais humano, representada pelas seguidas gerações de alunos que se tornaram amigos, pela velha turma de companheiros do futebol que ele ainda reúne em jogos de confraternização, pelos colegas de trabalho que o respeitam e consideram como exemplo e pela família, que o cerca de carinhos (vive rodeado de mulheres: além da esposa e das duas filhas, tem uma neta, Lara, de seis anos de idade). Vive do modo que projetou para si desde o dia em que pisou na cidade, barbudo e desleixado, e teve o privilégio de conhecer a suprema tranquilidade que, a cada ano que passa, Porto Belo vai deixando para trás. “Eu vim pra cá foi pra ter sossego. E consegui”.

Entrevista realizada em 19 de novembro de 2016

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