Danzig (atual Gdanski), janeiro de 1945. Uma onda de refugiados atravessa o Corredor Polonês sob bombardeio, fugindo do avanço do exército russo na Prússia Oriental. Tanto fugitivos quanto invasores seguem na direção de Berlim, 400 quilômetros a sudoeste. Toda a cidade arde em chamas; os incêndios iluminam o céu. Em meio ao caos, sobre uma ponte, um garoto perde-se de sua mãe. É acolhido por um policial e sua esposa, que o ajudam a encontrá-la. Juntos novamente, eles seguem em frente.

Dieter Hans Bruno Kohl tinha três anos de idade quando isso ocorreu. Nascido na parte ocidental de Berlim em janeiro de 1942, ficou com o episódio gravado na memória. Em 1944, sua família havia sido evacuada para a região da Prússia Oriental. Porém, a ofensiva russa através dos rios Vistula e Oder os obrigou a voltar à capital. Durante a perigosa jornada, marcou-lhe também a surreal travessia de um lago congelado. “Era um inverno rigoroso. Eles tinham colocado trilhos [de trem] por cima do gelo”, lembra. “O gelo baixava um pouco e a água entrava no vagão”.

Distantes no tempo e no espaço, essas reminiscências, ditas com voz entrecortada numa tarde morna de sábado, na tranquila residência que Dieter Kohl, 74 anos de idade, construiu nos fundos de Porto Belo, transmitem um sentimento de difuso pesar. Sob o tiquetaquear do relógio de parede, ele nos conta que vivenciou faces distintas da guerra.

A primeira, humana, quando os russos invadiram o porão da sua casa em Berlim, onde seus familiares se abrigavam dos bombardeios. Espantado com o garoto de cabelos tão brancos, um soldado mongol de olhos puxados e gorro de pele com a estrela vermelha na cabeça, sorri e dá a Dieter um pedaço de chocolate.

A outra, abjeta. Logo após a primeira leva de soldados, chegaram as forças de ocupação. Não houve sorrisos, apenas estupros. “Todas a mulheres foram violentadas. Minha tia, que tinha vinte e poucos anos e era uma mulher bonita, foram cinco em cima dela”. Até as idosas sofreram abusos. Apenas duas meninas, entre doze e catorze anos, foram colocadas a salvo, escondidas embaixo de pilhas de batatas. “Essas barbaridades ninguém conta”, lamenta Dieter. De fato, os crimes cometidos pelo Exército Vermelho durante a ocupação da Alemanha na 2ª Guerra Mundial são um tabu que a Rússia ainda hoje prefere ignorar.

Bruno Friedrich August Kohl, pai de Dieter, desapareceu na guerra e posteriormente foi dado como morto. Frieda Erna Gertrud Kohl, sua mãe, desempenhou diversas funções durante o conflito. Convocada a ajudar na evacuação de um hospital sob o fogo intenso dos Aliados, conheceu um soldado que viria a se tornar seu segundo marido. Após a ocupação, com a capital isolada, ela manteve-se ativa, conduzindo compatriotas pelas fronteiras para encontrar familiares, levando e trazendo correspondência. Numa das vezes em que saiu, por volta de 1947, foi impedida de retornar. Seguiu, então, para Duisburg, na Renânia do Norte-Vestfália, onde vivia o soldado que ela conheceu. No ano seguinte, Dieter foi ao seu encontro.

A vida no pós-guerra não era fácil. “Meus pais trabalhavam e eu ficava sozinho o tempo todo. Ia para a escola, voltava para casa, esquentava a comida, fazia deveres de casa e brincava na rua até à noite”. Na escola, recebia uma educação orientada pelos vencedores: “Era praticamente uma lavagem cerebral”, compara.

Mais tarde, ingressou num curso de eletricista e conseguiu emprego numa filial da Siemens. Na época, a Alemanha recebia um afluxo de mão-de-obra de outros lugares da Europa, que chegavam para trabalhar na construção civil. Sua companhia estava implantando uma siderúrgica em Duisburg e havia iugoslavos, espanhóis e italianos entre os funcionários. Dieter se entendia bem com esse pessoal, a ponto de ficar encarregado da comunicação com eles. A amizade redundou em convites do tipo “quando der, passe lá em casa”. Foi assim que, aos 21 anos de idade, Dieter Kohl saiu para ver o mundo.

Nos dois anos seguintes, o jovem alemão percorreu a Europa, África e Estados Unidos. Não exatamente como turista, mas trabalhando em estaleiros na Espanha, como tripulante da Marinha Mercante e em embarcações pesqueiras, entre outras atividades. Assim que retornou a Duisburg, retomou o emprego na Siemens e iniciou um curso de eletrotécnica. Mas logo em seguida ingressou num serviço de voluntários alemães, que oferecia assistência profissional a países em desenvolvimento. Recebeu treinamento e estava pronto para ser despachado para o Afeganistão. No entanto, por alguma razão, seu itinerário mudou. Em vez do Oriente Médio, o destino foi o Brasil.

Dieter desembarcou no Rio de Janeiro em 30 de dezembro de 1966, parte de um grupo de setenta voluntários, aproximadamente. Depois de passarem uns dias em Rolândia (PR), na sede da organização, uma parte foi designada para o norte do País, a outra para o Sul. Dieter e outros três seguiram para Ijuí, no noroeste do Rio Grande do Sul, onde ele trabalhou durante dois anos como professor de ginásio numa escola de ensino industrial. O tempo em que passou na Espanha ajudou-o com o português, o que facilitou a ele e aos colegas implantarem uma sistemática de ensino que – pôde constatar ao voltar àquela cidade vinte anos depois – continua sendo aplicada. “E olha que, quando eu cheguei na escola, me reconheceram”, observa contente (isso talvez se deva ao fato de aquele alemão que falava portunhol ter ensinado algumas técnicas vitoriosas ao time de futebol da escola, experiência que ele iria repetir mais adiante, como veremos).

Encerrado o ciclo como voluntário, Dieter seguiu para São Paulo, onde havia um emprego na filial da Siemens esperando por ele. “Só que não deu muito certo. Aí eu fui para a Volkswagen”. Ficou praticamente dez anos na montadora, no início realizando testes de qualidade nas peças que vinham de fornecedores. Na época, ele conta, não havia no Brasil um compilado de normas técnicas. “Eu até ajudei a ABNT a fazer normas sobre lonas de freios, porque era o especialista da fábrica”, sorri.

 É de se imaginar que o técnico vindo do estrangeiro fosse um tipo taciturno, amigo apenas dos cálculos e da precisão. Mas Dieter também permitia-se divertimentos e, numa festa da colônia alemã, em 1969, conheceu uma moça de Blumenau, 25 anos de idade, funcionária de uma das fornecedoras da Volks. Úrsula cresceu em Lages, mas trocou a serra catarinense pela capital paulista, onde viviam familiares. O namoro entre os dois foi rápido: com cinco meses, pediu-a em casamento. Com sete, tinha-lhe enfiado uma aliança no dedo. Dieter tinha 28 anos.

Em 1972, nasceu o primeiro filho do casal, Bruno. Em 1975, veio Kátia. Mas as coisas já não eram as mesmas no emprego. Embora tivesse subido na hierarquia, de supervisor a chefe de seção, a troca da atividade prática, que ele gostava, pela administrativa, não lhe caiu bem. Não era do seu feitio cobrar dos subordinados e, em pouco tempo, o corpo reclamou: entradas na vasta cabeleira, óculos para corrigir a miopia, gastrite. “Aí eu falei: ‘Isso aqui não é pra mim’”.


“Meus pais trabalhavam e eu ficava sozinho o tempo todo. Ia para a escola, voltava para casa, esquentava a comida, fazia deveres de casa e brincava na rua até à noite”


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Foi quando um dos funcionários sob sua responsabilidade mencionou que o irmão tinha uma oficina de serralheria em Tatuí, a 150 quilômetros de São Paulo, e estava tentando vendê-la. Era uma mudança e tanto (para os colegas, uma loucura: dispensar um bom salário, a mordomia de contar com carro novo todo ano), mas Dieter sentia ser o certo a fazer. Corria o ano de 1978.

A família Kohl viveu no interior paulista até meados de 1983. Apesar da pouca vocação de Dieter para o patronato, a serralheria prosperava, chegando a contar com onze funcionários. Mas uma nova mudança se anunciava: Ingrid, a irmã de Úrsula, divorciou-se e se mudou com o filho da capital paulista para Porto Belo, cidade que conheciam da época em que ainda viviam em Blumenau (SC). Ruth, a mãe de ambas, obteve a aposentadoria e resolveu ir ajudar sua filha mais velha. Muito ligada à mãe, Úrsula viu a possibilidade de se juntar a elas e começou a fazer “lobby” em favor de Porto Belo. Pragmático, o marido submeteu a possibilidade à frieza dos números: Tatuí contava à época 25 mil habitantes, e havia cinco serralherias de bom porte; em Porto Belo, cuja população era de pouco mais de 10 mil habitantes, não havia nenhuma. O mercado era promissor. Além disso, numa visita preliminar, guardou boa impressão da cidade. O casal, então, adquiriu um imóvel próximo de onde Ruth e Ingrid viviam (e onde Dieter reside desde então) e, em novembro de 1983, ela e os filhos vieram. Dieter chegaria meses depois, em março de 1984.

Algumas coisas contribuíram para um rápido entrosamento com a nova comunidade. Nos meses seguintes, Bruno, que havia frequentado o conservatório de música em Tatuí, inscreveu uma composição no 1° Festival da Canção para a Infância Catarinense (Fecic), um concurso de temas infantis de âmbito estadual. A classificação para as finais mobilizou a cidade: um ônibus lotado de alunos da Escola Básica Tiradentes, onde ele agora estudava, prestigiou a apresentação em Florianópolis, e o barulho que fizeram garantiu o troféu de melhor torcida para Porto Belo. Úrsula foi a regente do coro, e sua expansiva atuação conferiu-lhe rápida notoriedade (e a Dieter o relativo reconhecimento como “o marido da dona Úrsula”).

Dieter, por sua vez, assumiu a presidência da Associação de Pais e Professores da Escola Básica Tiradentes e, nos finais de tarde, usava uma das salas do colégio estadual para dar aulas de xadrez a uns poucos garotos interessados no jogo. Mais tarde, em 1986, com a criação do Conselho Municipal de Esportes, Porto Belo credenciou-se a participar da etapa microrregional dos Jogos Abertos de Santa Catarina (Jasc), a ser disputada em São João Batista. O técnico da equipe, porém, estava querendo se desincumbir da função. Ao ouvir o relato da bem-sucedida experiência do alemão à frente do time do colégio industrial em Ijuí, convidou-lhe a assumir o cargo. Como resultado, mesmo diante de um grupo difícil, a equipe conseguiu classificar-se para a fase regional dos Jogos, feito que só repetiria dezessete anos depois.

Vale destacar ainda que, à época em que os Kohl chegaram, já havia uma significativa – e muito unida – comunidade alemã instalada na cidade. Era comum promoverem tardes de chá e baralho no bairro Perequê, atividades às quais os recém-chegados logo se juntaram. Portanto, mais do que integrar-se, Dieter assumia as atribuições como uma espécie de dever cívico. “Tem gente que vive no lugar e passa sem dar alguma coisa”, pondera, ressaltando que sua família, ao contrário, tem legado ao município uma significativa contribuição, “principalmente em termos culturais”: Úrsula, por exemplo, ajudou a restabelecer a tradição do boi de mamão entre a criançada, atividade à qual se engajou por longo tempo, enquanto Bruno vem se destacando como compositor e agitador cultural. Mas é na conta pessoal de Dieter que se credita a principal façanha: o seu trabalho como pesquisador da história de Porto Belo.

Tudo começou numa noite de carteado na casa do então prefeito municipal, Manoel Felipe da Silva Neto. Piti, como era conhecido, revelou seu plano de promover uma espécie de concurso para produzir um registro histórico da cidade. Como sempre gostara dessa matéria, Dieter decidiu que iria participar, mas pensou: “Se vou concorrer com historiadores profissionais, preciso me preparar desde já”. Na época, sabia-se de pouca coisa sobre as origens do município. As fontes conhecidas abrangiam apenas o período posterior à chegada dos Ericeiros, por volta de 1818. Porém, havia informação a ser encontrada, e o agora historiador diletante mergulhou na pesquisa: esquadrinhou os arquivos públicos de Florianópolis, Blumenau, Itajaí e Brusque. Também desbravou terreno, em busca de marcos como a Pedra da Cruz, que encontrou após percorrer a ilha João da Cunha de um lado a outro pela terceira vez (“me falaram dessa pedra, mas ninguém sabia onde era”). Durante dois anos, conciliou o trabalho em sua serralheria com o esforço de pesquisa.

Ao fim desse período, datilografou suas conclusões e apresentou-as ao prefeito, que não havia ainda posto em prática a ideia do concurso e resolveu, ao invés disso, patrocinar a publicação do trabalho de Dieter. Porto Belo – sua história, sua gente saiu em 1988, com tiragem de cinco mil exemplares, que foram entregues à Apae para que a venda revertesse em lucro à entidade (boa parte, no entanto, estragou-se no depósito da instituição).

De capa amarela, o livro conquistou a simpatia da população, deliciada por protagonizar uma obra literária e por descobrir fatos dos quais não tinha conhecimento. No meio acadêmico, no entanto, a recepção foi gelada. Afinal, tratava-se da pesquisa de alguém que não tinha o “canudo”. Com o tempo, porém, a obra conquistou o status de referência e seu autor tornou-se fonte recorrente para estudantes interessados na história da península.


“Tem gente que vive no lugar e passa sem dar alguma coisa”


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Pesquisador inveterado (“o gato não para de caçar rato”), Dieter continuou a fuçar arquivos. E o que foi descobrindo ele acrescentou ao material original, resultando em mais três edições do livro, publicadas em 2002, 2008 e, numa edição comemorativa, em 2014. Nesta última, ele apresentou uma tese que, fosse aceita, alteraria parte importante da cronologia do Estado.

Dieter sustenta que a expedição espanhola liderada pelo navegador espanhol Juan Diaz de Solís em 1516, à qual se atribui a “descoberta” de Florianópolis, avistou na verdade a baía de Porto Belo (que Solís chamou de Baía de Los Perdidos), como de fato anotou em sua carta marítima, onde indicou a latitude de 27° – a localização náutica de Porto Belo. A ponta norte da Ilha de Santa Catarina está a 27°22 nos mapas, porém historiadores afirmam que a diferença se deve a um erro de cálculo do capitão Solís. Dieter contesta essa explicação, ressaltando que todas as outras latitudes registradas pela expedição não foram questionadas. Além disso, o espanhol era considerado na época um exímio navegador, especialista no uso do astrolábio, e havia sido contratado pela Coroa Espanhola justamente para ensinar aos navegadores o uso do equipamento.

Todas essas informações levariam Porto Belo a uma revisão importante: em vez dos 182 anos de emancipação política que irá comemorar em outubro, poderia estar festejando, com justificado estardalhaço, seus 500 anos de descobrimento (Dieter diz ter indícios de que a descoberta se deu mais cedo, em 1504, data que se atribui a São Francisco do Sul – mas esse é um “rato” que ele ainda precisa apanhar). Mas, apesar dos dividendos econômicos, históricos e culturais que tal efeméride poderia resultar, o historiador da cidade não encontrou nos gabinetes administrativos muito entusiasmo (senão nenhum) pela pesquisa, para seu profundo desgosto. Tampouco obteve reconhecimento acadêmico, embora outros pesquisadores tenham citado suas conclusões. “Aí você vê a diferença do canudo”, resigna-se.

Porto Belo, entretanto, não é o seu único empreendimento literário. Eclético, Dieter começou sua bibliografia ainda em Tatuí, onde escreveu um livro sobre nutrição, que ele decidiu fazer para dar de brinde natalino aos clientes da serralheria. A base teórica veio das ideias do namorado de sua sogra, um nutricionista iugoslavo que era “um naturalista roxo”. Depois desse manual de alimentação, o alemão realizou seu primeiro esforço de pesquisa para escrever sobre a história do xadrez por correspondência no País. A publicação serviu para comemorar o 25º aniversário do Clube de Xadrez Epistolar Brasileiro, do qual Dieter era membro (além das aulas, ele chegou a organizar alguns torneios de xadrez na cidade).

O quarto tema a atrair seu interesse de escritor é consequência de uma atividade à qual ele tem, ao longo dos anos, dedicado tempo, esforço e intelecto – e que, de certa forma, é a filosofia que norteia a sua vida. Dieter travou conhecimento com o espiritismo enquanto ainda morava em Tatuí: alguns parentes de sua esposa estavam filiados à Federação Espírita de São Paulo (Feesp) e, durante as reuniões de família, o tema entrava na conversa. De formação luterana e natureza inquiridora, Dieter decidiu estudar o assunto, pois tinha certeza de que acharia algum “furo”. Não encontrou. Na verdade, segundo ele, “aconteceu uma coisa ‘estranha’: foi como se abrisse um véu. Porque eu tinha algumas dúvidas em relação a muitos dogmas da Igreja Luterana. Alguns não casam com a lógica e a doutrina espírita te dá uma resposta lógica para tudo o que você quer saber”, garante.

Quando os Kohl se instalaram em Porto Belo, uma parte do clã paulistano seguiu o mesmo rumo (ou já estava por aqui). Assim, retomaram a prática de promover reuniões domiciliares para discutir o Evangelho sob a perspectiva de Allan Kardec. Outros se uniram a esse núcleo, ampliando-o. Com o tempo, tornou-se necessário formalizar o grupo, estabelecer uma sede e formar uma associação para divulgar os ensinamentos do espiritismo. Usando suas próprias economias, Dieter financiou o terreno onde, em 1992, foi inaugurada a sede do Grupo Espírita União dos Apóstolos.

Inserida no seio de uma comunidade conservadora, então ainda predominantemente católica, a novidade poderia sugerir algum choque. Não houve, entretanto. A entidade foi se firmando ao longo desses quase 25 anos de existência, dos quais Dieter a presidiu por aproximadamente duas décadas. Atualmente, ocupa a vice-presidência da casa, que chega a receber em torno de 80 pessoas nas terças-feiras (no outro dia de atendimento, sábado, a frequência gira em torno de 30 pessoas), que buscam, sobretudo, “respostas que as religiões tradicionais não dão”.

A maioria das perguntas tem a ver, logicamente, com a vida após a morte. Porém, algumas famílias procuraram o grupo atrás de ajuda para resolver uma situação difícil: o comportamento errático de parentes envolvidos com álcool e outros entorpecentes. Meninas, principalmente. Convicto de que esse problema tem relação com o plano espiritual, Dieter idealizou uma forma de ajudar: criar um centro de apoio e tratamento dirigido a elas, pois não havia, no Estado, uma instituição especialmente voltada a dependentes do sexo feminino.

A primeira providência foi tentar conseguir um terreno para a construção. Após uma ou outra oferta, ele adquiriu um lote no bairro do Sertão de Santa Luzia, sob contrato de comodato. Após mais ou menos cinco anos de trabalho em regime de mutirão, e contando com a ajuda financeira de sua mãe para comprar os materiais (Frieda se juntou ao filho e nora em Porto Belo depois de enviuvar do terceiro marido. Ela morreu em 2005, em Blumenau, aos 89 anos, viúva pela quarta vez e sem falar quase nada de português), a Casa de Amparo Maria de Nazaré estava pronta para operar.

Para fundamentar o trabalho que seria desenvolvido na nova instituição, Dieter escreveu o livro Amor Consciente, no qual disserta sobre a dependência química sob a ótica da doutrina espírita. Entretanto, o isolamento da casa, que tinha capacidade para abrigar 24 moças, mostrou-se decisivo: não havia pessoal disponível (mulheres, fundamentalmente) para prestar atendimento às internas e as poucas que aceitaram o trabalho acabaram debandando, pois “não aguentaram o tranco”. Em pouco tempo, o seu idealizador estava sozinho e, oito meses depois do início do atendimento, a casa fechou.

Para que o lugar não ficasse ocioso, Dieter e os demais envolvidos no projeto cogitaram transformá-lo num abrigo temporário para mulheres vítimas de violência doméstica ou num lar para crianças em situação de risco. Porém, após baterem à porta da administração municipal, encontraram mais entraves que apoio. Finalmente, uma parceria com um grupo espírita de Itapema permitiu que as instalações fossem utilizadas, oferecendo tratamentos alternativos em saúde, como cromoterapia e reiki. Por essa época (2012), Dieter estava morando no local, com sua segunda esposa, a paranaense Leonilse Mosconi, de 58 anos, com quem se casou em 2007 (dona Úrsula havia falecido no ano anterior, de ataque cardíaco). Mas, naquele ermo, ficaram à mercê dos bandidos – em pouco mais de três meses, sofreram três assaltos. Foi a gota d’água: Dieter retirou-se da sociedade reunida em torno da casa de amparo, que ultimamente vem funcionando somente aos sábados. Lamentavelmente, os roubos continuam: “Até levaram a geladeira”.

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Há nove anos aposentado do ofício de serralheiro, Dieter Kohl dedica suas horas às pesquisas, a escrever artigos de jornal e ao grupo espírita. Quase toda noite ele presta auxílio na instituição: “O único dia em que não tenho atividade na casa é no domingo”. Também estava engajado na implantação de conselhos municipais, que são órgãos de gestão da sociedade civil com o poder público, mas perdeu o entusiasmo em virtude da inoperância dessas iniciativas. E, como nada disso lhe traz benefício financeiro, cogita assumir alguma função remunerada – dar aulas de alemão, talvez. Mas, embora dona Leonilse aprove um reforço no orçamento, Dieter reluta assumir mais um compromisso: “A gente já está um pouco acomodado”.


Um princípio de ventania já refrescava a tarde quando a conversa se encaminhou para o final. Na rua, as sombras se alongavam nas calçadas e o tique-taque opressivo do relógio há muito foi suplantado pelo miado ocasional do gato da família, Nico, que reivindica atenção. Com a serenidade habitual, seu Dieter pondera sobre o tempo vivido nesta cidade tão distante de onde iniciou a sua odisseia. Num balanço afetivo, contabiliza um saldo de alegrias, poucas decepções. Uma boa conta. “Eu não nasci aqui, eu escolhi ficar”, sublinha a diferença fundamental. Se vai voltar a partir algum dia, não há como saber, mas, por toda sabedoria que nos dedicou, para esta cidade, já valeu muito a pena.

(*) Entrevista concedida em 06 de agosto de 2016.

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